Design e construção visual na infância
autor:
Viviane Silva
publicado em:
Trabalhar com materiais para crianças me faz lembrar coisas do passado e, com isso, vem um desejo de rever alguns traços da minha própria infância. Começa no ano de 1987 e ganha força mesmo nos saudosos e sem limites anos 90. Lá, a Barbie não tinha tantas versões, dançávamos alegremente músicas de conteúdo inapropriado, existiam os famosos guarda-chuvinhas, bolinhas e cigarrinhos (isso mesmo, cigarros!) de chocolate. Além disso, brincávamos na rua sem preocupação e não contávamos com tanta tecnologia. Mas chega desse papo de tia. É inegável que muita coisa mudou de lá pra cá – e no campo da pedagogia, mais ainda. Hoje, mais do que relembrar a criança que fui, quero refletir sobre a infância de hoje e, porque não, a de amanhã.
Para me ajudar nessa reflexão utilizarei o projeto feito em Amí em 2019, batizado de Ciranda e desenvolvido por iniciativa do Mathema. Seu foco é a educação infantil, ou seja, a aprendizagem de crianças de 3, 4 e 5 anos.
Tereza Bettinardi, em seu artigo no Medium, “Livro infantil: fetiche dos designers” faz uma reflexão interessante sobre coisas ditas infantis. Ela leva sua discussão para o campo do livro que circula, ocupa vários espaços (bibliotecas, escolas, casas) e que é um “…objeto que é mais coletivo que individual”, não sendo, portanto, somente um mero atrativo visual.
Esta reflexão se faz muito importante para o desenvolvimento editorial do Ciranda, uma vez que para ele sair do papel tivemos que pensar em formas de relacionar as publicações direcionadas para o público adulto – professores, diretores e coordenadores – e as publicações direcionadas para as crianças – utilizadas dentro da sala de aula.
O projeto nasceu do olhar dedicado para os pequenos (e que aos nossos olhos estão maiores todo dia) e o caminho escolhido foi amenizar o impulso de abraçar o surreal e o extravagante e, sim, imaginar soluções ligadas à realidade das crianças, que, muitas vezes, gostam mais da embalagem do que dos brinquedos, que podem transformar qualquer objeto em um amigo – e até criar um imaginário sem nem precisar do designer. Observamos, então, sua vivência, principalmente dentro da sala de aula. Escrita, músicas, histórias, garatujas (desenhos)…
![](https://amicd.com.br/uploads/2021/05/imagem-1-design-e-infancia.png)
…o dicionário não sabe de nada (risos). Todo mundo gosta de se ver. Então o nosso “problema” aguardando solução é: “Como as crianças se veem ou enxergam o mundo?”. Precisamos trazer para esta conversa as latentes discussões sobre representatividade racial, de gênero, de formatos de corpos e de pessoas com deficiência. Este pensamento é importante, porque as crianças, apesar de terem suas próprias vivências e escolhas – não nos esqueçamos disso -, são, também, como todos nós, influenciadas pelo que veem, interagem, escutam e consomem. Elas são como dizem: “esponjas”.
E nessa brincadeira vimos graça, exatamente nos recortes disformes (porque é assim que criança corta), nos traços tortos (porque é assim que criança escreve), nos elementos simplificados e de fácil entendimento. Tivemos atenção às tipografias, não como crianças escrevem, mas com a legibilidade garantida para alguém que está começando a conhecer as letras e, numa das experiências mais enriquecedoras, contamos com uma equipe de 30 ilustradores para construir um ambiente extremamente diverso em traços, cores e representatividade de biótipos.
O Ciranda, além de revisitar a história de alguns clássicos da literatura infantil, nos deu a liberdade de propor adaptações nos livros, rompendo com padrões e trazendo novas discussões para a sala de aula. Imagine só uma Cinderela negra? Ou uma lenda chinesa que traz a relação entre um imperador e um rouxinol. Volto a repetir: todo mundo gosta de se ver e merece ser visto. Essas conexões constroem novas bagagens dentro da gente. E se eu vou carregá-la por toda minha vida, quero uma excelente bagagem.
Temos, no Brasil, questões muito complexas e desafiadoras no caminho para uma educação de qualidade para todos. Mas o que nós, designers, precisamos entender quando nos deparamos com uma demanda como a descrita acima, é que uma parte do compromisso com a educação é nossa e que é muito poderoso impactar, positivamente, a qualidade de vida de professores, alunos, coordenadores, diretores e escolas.
O Ciranda foi um projeto muito importante para a Amí e que nos fez aprender um bocado de coisas. Revisitamos histórias e aprendemos bastante sobre o desafio de desenhar e projetar para crianças (e aprendemos muito sobre licenciamento de textos e imagens também, mas quem sabe um dia a gente fala disso por aqui?!).
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